Projeto Gephyreus

Apresentação
Somos uma iniciativa internacional de conservação iniciada em 2018 dedicada a reverter o estado crítico de conservação do boto-de-Lahille (Tursiops gephyreus) e de seu habitat.
A iniciativa visa promover e dar suporte coordenado para a pesquisa e ações de conservação em pontos estratégicos no sul do Brasil, Uruguai e Argentina, cobrindo toda a distribuição da espécie.
Nossas ações incluem o monitoramento sistemático das populações seguindo rigor científico e acadêmico, a educação ambiental com comunidades costeiras, capacitação e comunicação social, promovendo o engajamento com atores locais, governos e tomadores de decisão.
A rede conta com a atuação de uma equipe multidisciplinar com vasta experiência em estudos e conservação de mamíferos marinhos e atua alinhada aos organismos e iniciativas internacionais de gestão de conservação, como a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Comissão Baleeira Internacional (IWC), Sociedade Latino-Americana de Especialistas em Mamíferos Aquáticos (SOLAMAC) e a Sociedade de Mamíferos Marinhos (SMM)

História
O Projeto Gephyreus nasceu como uma resposta à necessidade urgente de pesquisa e conservação do boto-de-Lahille, que por décadas teve sua conservação negligenciada por ser tratado como uma espécie globalmente abundante (o golfinho nariz-de-garrafa comum, Tursiops truncatus).
Contudo, o reconhecimento de que os botos das populações costeiras entre o sul do Brasil, Uruguai e Argentina formam uma unidade taxonômica distinta, lançou luzes sobre o então batizado boto-de-Lahille, que vem sofrendo com capturas incidentais e outras ameaças, como poluição e declínio histórico em algumas partes de sua distribuição.
Em 2010 e 2017 foram realizados workshops que reuniram os pesquisadores do Brasil, Uruguai e Argentina, iniciando colaborações que resultaram em diversos projetos focados na espécie, destacando a possibilidade de um tamanho populacional muito reduzido para toda espécie. À medida que a pesquisa avançou, foi reconhecida a necessidade de uma abordagem mais coordenada e abrangente.
Em 2018, o Projeto Gephyreus foi estabelecido como uma rede de pesquisa multi-institucional para melhorar a pesquisa e conservação do boto-de-Lahille no sul do Brasil e Uruguai, com amostragens simultâneas e coordenadas em seis localidades.
Em 2021, a iniciativa expandiu-se e passou a incluir a Argentina, no intuito de coordenar esforços de conservação ao longo de toda distribuição da espécie.

Missão
A missão do Projeto Gephyreus é reverter o estado crítico de conservação do boto-de-Lahille, uma espécie endêmica e ameaçadas das águas costeiras da costa Atlântica da América do Sul.
O projeto reúne cientistas e organizações de todo o mundo para promover o envolvimento comunitário no processo de conservação e apoiar, de forma coordenada, ações de pesquisa, conservação e manejo dos fatores impactantes em toda a área de distribuição da espécie.



Linhas de Pesquisa
Coleta de Dados
O trabalho de campo do Projeto Gephryeus consiste em monitoramentos embarcados e/ou de ponto fixo (para coleta de dados de fotoidentificação e biópsias) e monitoramento de praia (para coleta de dados de mortalidade). Os monitoramentos ocorrem ao longo da costa do Brasil, Uruguai e Argentina e diferentes instituições parceiras são responsáveis por monitorar regiões específicas.
A fotoidentificação é uma ferramenta efetiva para estudos de ecologia populacional de mamíferos aquáticos. É usada para identificar indivíduos através de fotografias de partes do corpo dos animais que apresentem características únicas. No caso do boto-de-Lahille, o foco é a sua nadadeira dorsal, onde geralmente são visíveis marcas permanentes como cortes e deformidades, padrões de pigmentação, além de riscos, arranhões e manchas, que auxiliam na identificação individual.
É a partir do uso da fotoidentificação que acompanhamos os acontecimentos chave na vida dos indivíduos, possibilitando monitorar as tendências populacionais a partir de sucessivas estimativas de parâmetros ecológicos como abundância, sobrevivência e taxas reprodutivas. Os catálogos de animais fotoidentificados de cada região e o compartilhamento desses dados entre as instituições parceiras permite compreender o movimento de indivíduos entre áreas.




Durante os monitoramentos embarcados também coletamos biópsias de indivíduos fotoidentificados, que fornecem amostras de pele e gordura dos animais. A técnica consiste no uso de balestras equipadas com dardos e ponteiras modificadas, que minimizam possíveis impactos nos animais. Embora invasiva, a quantidade de informação gerada é muito relevante para a conservação, especialmente quando existem informações pretéritas sobre a história de vida do indivíduo amostrado. Amostras de pele são utilizadas para estudos genéticos e ecologia trófica, enquanto as amostras de gordura contribuem para estudos sobre contaminantes e hormônios.
Os monitoramento de praia são realizados com uso de camionetes tracionadas ao longo de grandes áreas. Para as carcaças encontradas durante os percursos, que podem variar de dezenas até centenas de quilômetros, uma série de informações são coletadas, incluindo dados morfométricos, avaliação de interação com atividades pesqueiras, coleta de amostras de órgãos, crânio e esqueleto. Essas informações compõem um banco de dados riquíssimo para a ciência e contribuem para investigação sobre taxonomia, saúde e padrões temporais e espaciais de mortalidade, possibilitando detectar anormalidades nos padrões do ciclo de vida dos animais; como por exemplo, sua relação com eventos climáticos extremos ou epidemias.

Estrutura Populacional
O grau de conectividade e os limites geográficos entre as populações de uma espécie definem sua estrutura populacional, um elemento chave para o desenvolvimento de planos de pesquisa e de conservação apropriados para a realidade de cada unidade populacional.
O boto-de-Lahille possui uma estrutura populacional que vêm sendo cada vez mais conhecida, dividida entre duas subpopulações com alto grau de diferenciação genética. Uma das subpopulações ocorre no sul do Brasil – Uruguai, entre os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, até regiões próximas ao Rio da Prata, com pelo menos cinco Unidades de Manejo. A outra subpopulação ocorre na Argentina, formada por uma única Unidade de Manejo, representada pela população local que ocorre na Bahía San Antonio.
O Projeto Gephyreus trabalha para aumentar o tamanho amostral de indivíduos fotoidentificados e de biópsias (pele e gordura) ao longo de toda distribuição do boto-de-Lahille, no intuito de refinar a delimitação de cada Unidade de Manejo e o grau de conectividade reprodutiva entre elas através de estudos de genômica.



Demografia
O estudo de demografia ajuda entender os riscos de extinção de uma espécie ou de suas populações. A demografia envolve análises matemáticas sobre uma diversidade de parâmetros, que permite entender como as características das populações mudam ao longo do tempo.
O Projeto Gephyreus coleta dados para gerar estimativas dos seguintes parâmetros: tamanho populacional, estrutura etária, fecundidade (taxas de natalidade), sobrevivência estágio-específica e proporção sexual. As informações de fotoidentificação coletadas das diferentes populações locais são analisadas de forma integrada para que seja possível ter estimativas que representem as duas subpopulações conhecidas (sul do Brasil-Uruguai e Argentina). Com estas informações, desenvolvemos modelos de viabilidade populacional (AVP) para avaliar o risco de extinção, projetar as populações no futuro e definir estratégias de conservação e manejo.

Mortalidade e Capturas Incidentais
A maior ameaça para a conservação do boto-de-Lahille é a captura incidental em pescarias de emalhe, uma vez que níveis baixos de captura incidental podem ter grande efeito na viabilidade das populações.
Entender o impacto das capturas incidentais nas populações ajuda a propor medidas de manejo de pesca, no intuito de reduzir as capturas a níveis mais sustentáveis.
Para isso, trabalhamos a partir de algumas abordagens principais:
- estimativa de mortalidade e de impacto na estrutura etária e sexual;
- trabalho socioeconômico e etnoecológico com comunidades pescadoras;
- divulgação científica e educação ambiental;
- teste de novas tecnologias;
- proposição de políticas públicas e avaliação da efetividade dessas políticas para a redução dos níveis de capturas incidentais.

Saúde
Técnicas veterinárias para exames de saúde em pequenos cetáceos foram padronizadas e aprimoradas ao longo dos anos, resultando em avaliações precisas e exames seguros, rápidos e responsáveis. Uma avaliação de saúde baseada em hipóteses pode melhorar significativamente a compreensão de como fatores ambientais e externos (como atividades de pesca, poluição e esgotamento de presas) impactam a saúde, o movimento, a reprodução e a sobrevivência dos botos-de-Lahille.
A National Marine Mammal Foundation (NMMF), parceira do Projeto Gephyreus, lidera estudos de saúde individual e populacional de golfinhos-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) em águas dos EUA. Com a experiência do NMMF, o Projeto Gephyreus busca desenvolver um Programa de Monitoramento de Saúde do boto-de-Lahille. Para isso, estamos avaliando a saúde dos animais a partir de dados de fotoidentificação, imagens de drone e análise de contaminantes de amostras coletadas a partir de biópsias.
Existe a possibilidade de implementarmos um programa de avaliação de saúde de longo prazo a partir da captura e soltura de indivíduos, o que poderia envolver uma série de exames veterinários, bem como a colocação de transmissores satelitais para entendermos o movimento em fina escala e os padrões de mergulho da espécie.

Plano de Ação 2022 - 2027
O boto-de-Lahille, endêmico da costa atlântica da América do Sul, é uma espécie ameaçada de extinção que possui um valor social inestimável por ser uma das poucas espécies de cetáceos no mundo que desenvolveram um comportamento de cooperação com pescadores artesanais para a captura de tainhas.
Devido ao reconhecimento do estado crítico e necessidade urgente de conservação do boto-de-Lahille e sua inclusão como espécie prioritária no Planejamento Integrado de Conservação para Cetáceos (ICPC) da IUCN, em janeiro de 2023, a Fundação Yaqu Pacha e o Zoológico de Nuremberg encomendaram um plano de ação estratégico para reforçar os esforços de conservação.
O desenvolvimento do plano envolveu uma revisão exaustiva de recomendações anteriores e consultas com diversos especialistas, focando em cinco linhas estratégicas: (1) Pesquisa Científica e Conservação, (2) Legislação e Política, (3) Comunicação, Divulgação e Conscientização, (4) Fortalecimento Institucional e Educação, e (5) Ciência Cidadã. Ações foram classificadas por prioridade devido aos recursos financeiros limitados, com oito dos 26 projetos considerados de alta prioridade.
Ao abordar os desafios enfrentados pelos boto-de-Lahille e aprimorar a cooperação internacional, espera-se proteger e reverter o status crítico de conservação dessa espécie ameaçada.
Equipe do Projeto Gephyreus